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06/10/2025
15min

Ágil Está Morto? A Verdade de R$ 210 Bilhões que a Indústria Esconde de Você

Um dos criadores do Manifesto Ágil declarou: 'Agile está morto'. Descubra por que uma indústria de R$ 210 bilhões finge que isso nunca aconteceu, com dados, custos reais e o que fazer a respeito.

Ágil Está Morto? A Verdade de R$ 210 Bilhões que a Indústria Esconde de Você

O telefone tocou às 7h32. Do outro lado, um CTO que eu conhecia há anos — voz embargada, quase sussurrando. A startup dele tinha acabado de queimar R$ 3,2 milhões em "transformação ágil".

"Contratamos cinco Scrum Masters certificados, implementamos o SAFe, fizemos três retrospectivas por semana... e nossa produtividade despencou 40%. Como isso é possível?"

Fiz a pergunta que ele não queria ouvir:

"Você leu o artigo de 2014 do Dave Thomas?"

Silêncio.

"Quem?"

Dave Thomas. Um dos 17 signatários originais do Manifesto Ágil. O coautor de "The Pragmatic Programmer", um dos livros mais influentes da programação moderna. O cara que literalmente inventou o termo "DRY" (Don't Repeat Yourself).

Em 2014, ele publicou um artigo com um título que deveria ter sacudido a indústria inteira: "Agile is Dead (Long Live Agility)" [1].

E sabe o que a indústria de transformação ágil, um mercado global de USD 42 bilhões (mais de R$ 210 bilhões) [2], fez com essa mensagem?

Fingiu que nunca aconteceu.


TL;DR: A Verdade em 60 Segundos

Dave Thomas, um dos criadores do Manifesto Ágil, declarou que o rótulo "Agile" foi corrompido por consultores e vendedores que transformaram valores em produtos, processos em ferramentas caras e "agilidade" em um circo de certificações. Dados recentes mostram que, embora 86% dos times de desenvolvimento usem práticas ágeis [3], a satisfação com o Agile está em queda, e 42% das organizações já admitem usar modelos híbridos [4], fugindo da rigidez dos frameworks. A solução? Abandonar o "Agile" como produto e voltar aos princípios originais de agilidade — o que tornaria obsoleta uma indústria bilionária. Por isso ninguém fala sobre isso.


O Criador do Monstro Confessa: "Eu Criei Isso, e Me Arrependo"

Dave Thomas não é um crítico qualquer na internet. Ele literalmente escreveu o Manifesto Ágil. Em fevereiro de 2001, estava naquela sala de reuniões em Snowbird, Utah, junto com outros 16 desenvolvedores, criando os quatro valores que você provavelmente já decorou:

  • Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas
  • Software em funcionamento mais que documentação abrangente
  • Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos
  • Responder a mudanças mais que seguir um plano

Bonito, certo? Mas em 2014, Thomas admitiu que tudo deu errado. Em seu artigo, ele é brutalmente honesto:

"A palavra 'agile' foi subvertida ao ponto de ser efetivamente sem significado, e o que passa por uma comunidade ágil parece ser em grande parte uma arena para consultores e vendedores venderem serviços e produtos." [1]

Tradução: Agile virou um esquema de marketing para vender curso, certificação e ferramenta inútil.

Thomas previu isso e se afastou desde o início:

"Desde a reunião de Snowbird, eu não participei de nenhum evento Agile, não me afiliei à Agile Alliance e não fiz nenhuma consultoria 'ágil'. (...) Porque eu não achei que nenhuma dessas coisas estava no espírito do manifesto que produzimos." [1].

Ele chamou a indústria Agile de um "sindicato de gente que respira". E ele estava certo.


A Matemática Suja da Indústria Ágil (com Dados Reais)

Vamos fazer as contas que os consultores não querem que você faça. Quanto custa o "teatro ágil" para uma empresa de médio porte no Brasil?

Tabela de Custos: O Preço do "Agile by the Book"

Custo AnualDescriçãoFonte de Dados
R$ 432.0003 Scrum Masters (salário médio de R$ 12.000/mês)Glassdoor, Michael Page [5]
R$ 408.0002 Agile Coaches (salário médio de R$ 17.000/mês)Glassdoor, SalaryExpert [6]
R$ 45.000Certificações CSM para 15 pessoas (R$ 3.000/cada)Média de mercado
R$ 120.000Treinamento inicial SAFe (conservador)Média de mercado
R$ 12.000Ferramentas (Jira, Miro, etc.)Estimativa
R$ 1.017.000Total no Primeiro Ano
R$ 852.000Custo Anual Recorrente

Agora, a pergunta de um milhão de reais: o que esses R$ 852.000 anuais entregam?

Além dos salários, vamos calcular o custo do tempo gasto em cerimônias para um time de 10 pessoas:

  • Custo das Reuniões: Cerca de R$ 236.250 por ano apenas em tempo de desenvolvedores gasto em rituais (Daily, Planning, Review, Retro, Refinement).

Somando tudo, a "brincadeira" ágil pode facilmente custar mais de R$ 1 milhão por ano para uma empresa que nem sequer está entregando mais valor.


O Dia na Vida de Ana, Scrum Master Certificada (CSM, PSMI, PSMII)

Ana custa R$ 144.000 por ano para a empresa. Vamos acompanhar um dia típico dela.

8h30 — Primeira daily do dia, time Alpha. Quinze minutos ouvindo os mesmos desenvolvedores reclamarem do código legado. Dez minutos perguntando "tem algum impedimento?" — a resposta é sempre "não". Mais cinco atualizando post-its no quadro físico que vão ser fotografados e esquecidos.

9h15 — Segunda daily, time Beta. Mesma história. Um desenvolvedor menciona um bug crítico em produção. Ana anota no caderninho: "vou escalar isso". (Spoiler: vai virar uma mensagem no Slack que ninguém vai responder.)

10h00 — Refinamento de backlog. Duas horas debatendo se uma história vale 5 ou 8 pontos. Ninguém na sala sabe o que esses números realmente significam. O Product Owner não apareceu, mas "a gente se alinha depois".

13h30 — Sessão de coaching 1-on-1 com um desenvolvedor "desmotivado". Quarenta e cinco minutos de conversa motivacional genérica. Nenhum problema técnico discutido, muito menos resolvido.

14h30 — Atualização de dashboards no Jira. Burndown chart. Velocity chart. CFD (Cumulative Flow Diagram) que ninguém entende. Métricas bonitas que nunca são usadas para tomar decisões reais.

15h30 — Planning da próxima sprint. Duas horas re-estimando trabalho que já tinha sido estimado no refinamento da manhã. No final, chegam em 23 story points, mas a "velocidade média" do time é 34, então "vamos puxar mais três histórias do backlog".

17h30 — Retrospectiva. Uma hora fazendo "dinâmica da estrela do mar". Todo mundo escreve nos post-its as mesmas reclamações das últimas seis retrospectivas. Ana promete que "dessa vez vamos realmente implementar as melhorias". (Não vão.)

18h30 — Antes de desligar o computador, Ana atualiza o LinkedIn: "Mais um dia incrível facilitando agilidade! 🚀 #AgileMindset"

Resultado do Dia de Ana:

  • Reuniões facilitadas: 5
  • Horas em reuniões: 6,5
  • Linhas de código escritas: 0
  • Bugs corrigidos: 0
  • Problemas reais resolvidos: 0
  • Custo do dia: R$ 576
  • ROI: ???

O Que Dave Thomas Realmente Disse (E Por Que a Indústria Esconde)

Aqui está a parte que a indústria de R$ 210 bilhões quer esconder de você. A proposta de Dave Thomas para a agilidade real é um loop de 4 passos:

  1. Descubra onde você está.
  2. Dê um pequeno passo em direção ao seu objetivo.
  3. Ajuste seu entendimento baseado no que você aprendeu.
  4. Repita.

E como fazer? Ele deu apenas uma regra:

"Quando enfrentar duas ou mais alternativas que entregam aproximadamente o mesmo valor, escolha o caminho que torna mudanças futuras mais fáceis." [1]

Isso é tudo. Não precisa de:

  • Scrum Master
  • Planning Poker
  • Sprint Planning de 4 horas
  • Certificação de R$ 3.000
  • Consultoria SAFe de R$ 500.000

Precisa de:

  • Desenvolvedores competentes
  • Feedback rápido
  • Autonomia para tomar decisões
  • Foco em entregar valor

Dave Thomas chamou isso de "agility" (agilidade) em vez de "Agile" (metodologia). A diferença? Agilidade não pode ser vendida. Por isso a indústria odeia essa mensagem.


A Armadilha da Gramática: Como Vender Nada por Muito

Thomas tem uma observação brilhante que expõe o golpe:

"'Do Agile Right' e 'Agile for Dummies' são ataques à língua inglesa. Eles não têm significado. Agile não é um substantivo, é um adjetivo, e precisa qualificar outra coisa. 'Do Agile Right' é como dizer 'Do Orange Right'." [1]

Pensa nisso. Quando você transforma "ágil" (uma qualidade) em "Agile" (um produto), você pode vender. Não dá para vender "seja mais rápido", mas dá para vender "Certificação Agile". Não dá para vender "melhore sua comunicação", mas dá para vender "Treinamento de Scrum Master".

A gramática errada não é acidente. É estratégia de marketing.


A Solução: 10 Passos para a Agilidade Real (Sem Teatro)

Se o "Agile" está morto, como praticar a "agilidade"? Aqui está um plano de 10 passos, combinando a filosofia de Thomas com práticas modernas:

1. Cancele dailies obrigatórias. Comunicação assíncrona funciona melhor que interromper 10 pessoas ao mesmo tempo. Faça check-ins quando realmente houver algo a discutir, não porque o calendário mandou.

2. Planejamento contínuo, não quinzenal. Abandone as "grandes apostas" da Sprint Planning de 4 horas. Planeje conforme o trabalho surge, em conversas de 15 minutos quando necessário.

3. Corte radical de WIP (Work in Progress). Menos tarefas em andamento significa ciclos mais curtos e review técnico de verdade. Três coisas sendo feitas direito valem mais que dez pela metade.

4. Use Trunk-Based Development e Feature Flags. Entregas pequenas e reversíveis. Se algo der errado, você desliga a feature em 30 segundos, não espera a próxima sprint para "planejar o rollback".

5. Escreva testes que pegam problemas reais. Teste o fluxo do usuário, os contratos entre serviços, os casos que quebram em produção. Esqueça cobertura de código como métrica de vaidade.

6. Implemente observabilidade desde o dia 1. Logs que você consegue ler quando o sistema quebra às 3h da manhã. Métricas que mostram onde está o gargalo. Rastreamento que conecta os pontos entre microsserviços.

7. Use Pair/Mob Programming em pontos críticos. Não como dogma religioso, mas quando faz sentido: código complexo, onboarding de gente nova, decisões arquiteturais importantes.

8. Arquitetura orientada a mudanças. Aplique a lei de Dave Thomas: quando duas opções entregam valor parecido, escolha a que facilita a próxima alteração. Bom design é aquele que não te prende.

9. Deixe o time técnico decidir o processo. E mudá-lo quando o contexto mudar. Não existe processo perfeito, existe processo que funciona agora e será diferente daqui a seis meses.

10. Métricas que importam. Lead time (quanto tempo da ideia até produção). Taxa de falha de mudança (quantos deploys quebram). Tempo de recuperação (quanto tempo para consertar). Jogue a "velocity" no lixo — ela nunca previu nada.


Como Vender Isso para seu CEO (com Dados)

Seu chefe não vai comprar filosofia. Ele vai comprar resultados. Use estes argumentos:

  • "Estamos gastando R$ 850.000/ano em estrutura ágil, mas os dados mostram que a satisfação com Agile está caindo em empresas do nosso porte." [4]
  • "42% das empresas já admitem usar modelos híbridos. Proponho um experimento: vamos cortar 50% das cerimônias por um trimestre e redirecionar os R$ 118.000 economizados para automação de testes e pipeline de CI/CD."
  • "Nossa métrica de sucesso não será 'story points', mas sim a redução do 'lead time'. Queremos entregar valor mais rápido, não fazer mais reuniões."

Se te cobrarem "cadê o Agile?", responda: "Temos agilidade."


Conclusão: A Escolha é Sua

Dave Thomas não matou o Agile. Ele só acendeu a luz e mostrou que o imperador estava nu. O que morreu foi o branding — a transformação de valores simples em pacotes de R$ 850 mil por ano. O que continua vivo, e sempre funcionou, é escrever software em passos pequenos, com feedback real, mantendo a capacidade de mudar de direção quando necessário.

Você tem duas opções na mesa:

Opção 1: Continue no Teatro. Pague os R$ 3.000 da certificação. Contrate mais um facilitador. Faça a sexta retrospectiva do mês. Atualize o Jira religiosamente. E continue se perguntando por que, depois de tudo isso, nada realmente melhora.

Opção 2: Seja Realmente Ágil. Contrate desenvolvedores seniores que sabem o que estão fazendo. Dê autonomia de verdade, não aquela "autonomia dentro do framework". Meça o que importa: quanto tempo leva para uma ideia chegar em produção, não quantos story points o time "queimou". E veja o que acontece.

A escolha sempre foi sua. Dave Thomas só teve a coragem de dizer em voz alta o que muita gente já sabia, mas tinha medo de admitir.


Perguntas Frequentes (FAQ)

Dave Thomas realmente disse que Agile está morto?

Sim. Em 2014, Dave Thomas, um dos 17 signatários originais do Manifesto Ágil, publicou o artigo "Agile is Dead (Long Live Agility)" criticando como a palavra "agile" foi subvertida por consultores e vendedores. Ele não disse que agilidade não funciona — disse que o rótulo "Agile" virou um produto vazio.

Quanto custa implementar Agile em uma empresa média no Brasil?

Para uma empresa de médio porte, a estrutura ágil completa pode custar entre R$ 850.000 e R$ 1 milhão por ano, incluindo salários de Scrum Masters (R$ 12.000/mês), Agile Coaches (R$ 17.000/mês), certificações, ferramentas e o tempo gasto em cerimônias.

Qual a diferença entre "Agile" e "agilidade" segundo Dave Thomas?

Dave Thomas explica que "Agile" virou um substantivo — um produto que pode ser vendido (certificações, consultorias, frameworks). Já "agilidade" é um adjetivo, uma qualidade de como você trabalha: pequenos passos, feedback rápido, facilidade de mudança. Agilidade não pode ser comprada em um pacote.

Por que a satisfação com Agile está caindo?

Segundo o 17th State of Agile Report, empresas médias e grandes estão menos satisfeitas com Agile porque enfrentam barreiras substanciais para implementação em toda a organização. Além disso, 42% das organizações já admitem usar modelos híbridos, indicando que o Agile "puro" não atende suas necessidades.

O que fazer em vez de seguir Scrum ou SAFe?

Dave Thomas propõe um loop simples: (1) descubra onde você está, (2) dê um pequeno passo, (3) ajuste baseado no aprendizado, (4) repita. A regra de decisão: escolha sempre o caminho que torna mudanças futuras mais fáceis. Isso pode incluir práticas como trunk-based development, feature flags, comunicação assíncrona e métricas reais como lead time.

Scrum Master é um cargo necessário?

Depende do contexto. Para times maduros e auto-organizados, um facilitador dedicado pode ser redundante. O custo médio de R$ 144.000/ano precisa ser justificado por valor real entregue. A pergunta certa é: esse papel resolve problemas técnicos ou apenas adiciona camadas de processo?

Quais métricas realmente importam para agilidade?

Esqueça velocity e story points. As métricas que importam são: Lead Time (tempo da ideia até produção), Taxa de Falha de Mudança (quantos deploys quebram), Tempo de Recuperação (quanto tempo para consertar quando quebra), e Frequência de Deploy (quantas vezes você entrega por dia/semana).


Quer Mais Verdades Inconvenientes?

Leia: Por Que o Scrum Não Funciona (Análise Profunda)

Leia: Salário Scrum Master: O Cargo Mais Questionável da TI?

Baixe: O Manifesto Anti-Ágil (PDF Gratuito)

"A verdade não precisa de frameworks. Só de coragem para ser dita."


Referências

[1] Thomas, D. (2014). Agile is Dead (Long Live Agility). Disponível em: https://pragdave.me/blog/2014/03/04/agile-is-dead.html

[2] IMARC Group. (2024). Enterprise Agile Transformation Services Market 2025-33. Disponível em: https://www.imarcgroup.com/enterprise-agile-transformation-services-market

[3] Mosaic. (2025). Agile Project Management Statistics & Adoption Rates. Disponível em: https://www.mosaicapp.com/post/agile-project-management-statistics-adoption-rates

[4] Digital.ai. (2023). 17th State of Agile Report. Disponível em: https://digital.ai/resource-center/analyst-reports/state-of-agile-report/

[5] Glassdoor & Michael Page. (2025). Guias Salariais para Scrum Master no Brasil.

[6] Glassdoor & SalaryExpert. (2025). Guias Salariais para Agile Coach no Brasil.

Benjamim Ghostinit Castell

Benjamim Ghostinit Castell

Autor & Criador do Manifesto Anti Ágil.